Cancelo meus pedidos
Corto a minha conta na tua esquina
No botequim perto de sua casa
Corto a relação com tua rua
Com teu pessoal e vou embora
Ainda que eu não queira
Deixo o meu jardim
Meu passarinho
O cachorro fujão
E vou por aí
Desbravar novas paisagens
Furar novos buracos
Em outras terras
Encher o horizonte de novas paredes
E viver entre elas
Molhar outros jardins
Fazer outras vitaminas
Plantar outras mandiocas
Em outros quintais
Porque a vida continua
Incerta e maliciosa
Perigosa e envelhecedora
E o que somos? Senão sobreviventes
A espera de uma salvação
Mas vivemos famintos
Em não saber poupar
Nem por que poupar
Ou o que guardar
Precisamos de arte
Estamos fartos de tanta ração
É preciso mais cinema na praça
Mais casas tombadas
Mais cafés
E restaurantes populares
É preciso alimentar o povo
E aumentar a obrigação do Estado
Até o Estado se tornar o próprio povo
É preciso fazer o rico ser povo
E povo ser rico
Rico de sabedoria
E pouca mercadoria pra ter que carregar
Mas muita poesia para ler, amar e gozar.